O seguinte texto, escrito pelo Coordenador Executivo do IDAFRO Dr. Hédio Silva Jr. data de 6/7 anos atrás. O fato da discussão ainda ser atual e não uma obviedade encerrada, reforça a sobriedade das palavras abaixo, confira:
Maioridade penal, modernidade e racismo
A Proposta de Emenda Constitucional n. 171/93, aprovada esta semana pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, pretende reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos sob o pretexto de que a lei deve adaptar-se às exigências dos dias atuais.
Consta na justificativa da PEC que no Brasil contemporâneo os adolescentes já teriam desenvolvido suficiente autonomia moral e capacidade de discernimento, de sorte que a suposta modernização legislativa configuraria uma decorrência natural da modernização da sociedade.
A tese da adaptação da lei a necessidades modernas, não resiste, entretanto, a mais desatenta observação da história do direito penal brasileiro.
Com efeito, o direito penal lança raízes no Brasil com a publicação, em 1603, do Livro V das Ordenações Filipinas, cujo Título 135 fixava a idade de 17 anos para a imputabilidade penal.
Proclamada a Independência e promulgada a primeira Constituição brasileira, entra em vigor o Código Criminal do Império, em 1830, que reduziu o limite de idade para 14 anos.
Já o Código Penal republicano, de 1890, adotado dois anos depois da abolição formal do escravismo, e um ano antes da primeira Constituição da República, permitia a responsabilização criminal a partir dos 9 anos.
Assim é que durante quatro décadas vigeu no Brasil a regra da imputabilidade penal aos 9 anos, revogada apenas em 1932, com a aprovação da Consolidação das Leis Penais, que elevou o limite mínimo para 14 anos.
Finalmente, com a reforma penal empreendida pelo Estado Novo, foi aprovado o Código de 1940, ainda em vigor, fixando a capacidade penal aos 18 anos, norma esta alçada ao nível constitucional, conforme disposto no art. 228 da Constituição vigente.
Temos, pois, que a redução da idade penal nada tem de novidade, constituindo, na essência, um critério de política criminal certamente mais cômodo e barato do que promover investimentos maciços na educação e integração social e econômica da juventude brasileira. Ademais, admitindo-se o duvidoso raciocínio evolucionista delineado na defesa da referida PEC, não tardará o dia em que, em nome do combate à criminalidade, o Congresso Nacional termine aprovando uma lei que prescreva a esterilização compulsória das mulheres negras e pobres, cujos filhos, como se sabe, são tratados com especial atenção por setores dos órgãos de segurança pública e do sistema penal.
Aqui está, a propósito, um exemplo sinistro de ação afirmativa, de inclusão racial promovida pelo Estado – a inclusão penal – que no cotidiano sabe distinguir perfeitamente quem é negro e quem não é, reservando aos primeiros uma cota de tratamento preferencial e diferenciado.
Dúvida não pode haver, portanto, de que a PEC em exame não apenas deixa intactos os problemas centrais da política de segurança pública, como também permite a legitimação da velha e sempre presente noção lombrosiana de criminoso nato, defendida nos trópicos por Nina Rodrigues, nome com o qual ainda hoje se identifica o Instituto Médico Legal da Bahia. Resta saber se as organizações sociais, os operadores do direito e os juristas democratas permanecerão passivos diante de mais esta afronta à cidadania e ao Estado Democrático de Direito.
Hédio Silva Jr., 53, Advogado, Doutor em Direito pela PUC-SP, é Coordenador Executivo do CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades.
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